Capitalismo Esquizofrênico

A caminho do trabalho, escuto o ecoar que sai das igrejas e lojas para as ruas da cidade: "Jesus Cristo!... Jesus Cristo!... Jesus Cristo!... Eu estou aqui!" Tcha!... Tcha!... Tcha!... Chicoteia o ritmo. E o rebanho em transe clama por seus reis: _ "Roberto rei Carlos! Jesus rei Cristo!" Da calçada, antes de atravessar a faixa de pedestre, observo, do outro lado da avenida, um carro que vendia CD's piratas e as suas caixas de som que tocavam: "Que país é este?!... Que país é este?!... Que país é este?!..." Uma jovem esquizofrênica, a uns dois metros do carro, pisava macio o chão como quem dança um Reggae. O rebanho a fitava com olhares tortos, e recriminava: _ "louca"! Uma senhora, ao meu lado, me olha e diz: _ "Triste, não é"? E eu respondo ironizando: _ "Muito triste mesmo, senhora"! (Pena ela não perceber meu ar de ironia). Então, torno o meu olhar para a jovem, e sinto uma inveja enorme de sua esquizofrenia. Senti-me tentado a dizimar adquirindo um CD pirata da Legião Urbana. Mas, numa reflexão hipermetrope, me dissuadi: "Oras, era tão simples. A música estava lá, era de graça, a jovem se divertia e o rebanho nada podia fazer para impedi-la. Ela não se importava com o rebanho, pior, ela nem os percebia. E aquilo era lindo demais aos meus olhos. Veio-me à mente "Karl Marx" e "John Forbes Nash" -: “Capitalismo esquizofrênico, te persegue noite e dia!” Pensei em juntar-me a ela. Mas não podia. Tinha de suar a dízima que dar-lhes-ei, hoje, de cada dia...

Altair Pinheiro de Assis.

Abastecimento

Os sonhos almejam prover-se
da momentânea satisfação.
É a necessidade, insana sede.
Abasteça-me de sonhos,
que lhes lançarei mãos!
Suprir-te-ei, necessidade;
recipiente vazio do meu ser!
E a vida segue,
se abastecida de sonhos,
no impasse do abastecer...

Altair Pinheiro de Assis.